“Simonal - Ninguém sabe o duro que dei”
Dirigido por Claudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal
Na última sexta, dia 15 de maio, Cris e eu assistimos a estréia do filme Simonal - Ninguém sabe o duro que dei, sobre a ascensão e queda do cantor Wilson Simonal. Como eu imaginei, mostraria uma das faces mais perversas de nossa sociedade que é o cinismo.
Para quem conhece um pouco da história de Simonal, talvez não traga muitas novidades, o que não tira o mérito da coragem dos diretos em tocar em um tema maldito. Porém, quando ouvimos os relatos das pessoas que conheceram e viveram com Simonal antes de depois do sucesso e algumas que estiveram direta ou indiretamente envolvidos com a sua destruição dói mais...
Simonal fez muitas bobagens, em especial esquecer-se que era antes e acima de tudo um homem negro e por isso uma ameaça que deve estar sempre sob vigilância e quando necessário, sob controle. No doc vemos alguns sintomas do, como diria Homi Bhabha, temor cultural do homem negro pela sexualidade ocidental.
Por que sintomas? Entre as 19 pessoas que aparecem no doc para falar sobre Simonal a maioria é de homens brancos, cinco homens negros, sendo dois os seus filhos (os músicos Max de Castro e Simoninha), os outros são o instrumentista Paulo Moura, Tony Tornado (para saber mais sobre sua contribuição para nós negros brasileiros, sugiro ver o doc A Negação do Brasil de Joelzito) e... Pelé (Que dispensa comentários). Será que, por exemplo, Milton Gonçalves não teria nada para falar...?
As entrevistadas foram duas mulheres brancas: Sandra Cerqueira, segunda esposa de Simonal, que segurou uma rebordosa e tanto. Ela demonstrou que realmente amava o cara, pois fica ao lado de Simonal naquela hora só por muito amor, e Bárbara Heliodora, crítica musical e ex-patroa da mãe de Simonal. Ex-patroa da mãe de Simonal...
O falo de Simonal estava a todo o momento pairando no ar. A voracidade sexual era dita e interdita a todo o momento. Num trecho do doc vemos um trecho do filme É Simonal, de 1970, em que o próprio aparece ouvindo a personagem de Marília Pêra, loiríssima, dando-lhe uma cantada, embora o marido estivesse próximo. É aquele velho estereótipo do negão básico bom para cama....
Só para nos lembrar o quanto é perigoso bulir com o que é do homem branco: Erlon Chaves (quem não conhece sugiro uma busca no Google), grande amigo de Simonal, foi preso pelos militares no ano de 1970 (auge dos anos de chumbo, do AI5) pelo ato subversivo de ter beijado algumas loiras durante o festival Internacional da Canção (FIC) e na platéia estava ninguém menos que o então presidente, general Emílio Garrastazu Médici. O negão deu muito mole...
Este episódio está marcado na minha memória, eu lembro nitidamente quando meus pais assistiam ao festival quando Erlon Chaves dançando, começou a beijar as mulheres ao som de Eu também quero mocotó, nisso meu pai disse para minha mãe: Esse cara vai em cana... Eu, na ingenuidade dos meus seis anos, não conseguia compreender o porquê.
Voltando ao doc. O ápice do filme para mim foi quando vemos o início de sua destruição de Simonal. Não é coincidência que os entrevistados afirmem que sua queda começou exatamente no tão famoso show no Maracanãzinho, quando ele regeu um coral de 30.000 pessoas, ofuscando Sergio Mendes que tinha acabado de ganha um Grammy e o convidou para abrir seu show, mas quando subiu ao palco após Simonal, foi vaiado por 30.000 vozes.
Ai começou o seu fim.
Ele fez muitas bobagens, o doc mostra apenas algumas delas, mas a pior delas foi ter sido ingênuo em um período como os anos da Ditadura... ainda mais sendo negro, insisto. Neste período poucos negros sobreviveram, excetuando os que se prestaram a fazer o papel de palhaço ou os emasculados, e os exemplos são inúmeros. Mais uma vez, só para lembrar: Cadê o Johnny Alf, um dos criadores da Bossa Nova? Hoje só lembramos de quem no cinema, TV e etc.?
Alguns vídeos para refrescar nossa memória:
Para finalizar, resumindo esta história, ao assistir este doc, pela primeira vez eu chorei no cinema. Ao ouvir a esposa de Simonal falar sobre a diferença dos efeitos da bebida alcoólica para seu marido e para figuras como Vinicius de Moraes e Tom Jobim foi simples e contundente. Obviamente ela não estava falando de biologia!
Enfim, este doc serve para que nós nunca esqueçamos que qualquer vacilo, dança! Como me disse Julio Tavares sobre o doc, nós negros somos desacreditados, o máximo que conseguimos é sermos desacreditável, mas basta um escorregão e “voa direto para o de execrado, ingressando na escala maior da exclusão: o homem invisível”.
No fim, como em todo linchamento, o que sobre é o corpo do linchado, de resto, ninguém sabe, ninguém. Que a família chore seu defunto.
E como diríamos lá em Irajá, onde fui criança pequena: Aí negão, jacaré que dorme vira bolsa de madame!
Assistam a este doc, vale a pena.
Quem quiser que conte outra,
Rolf Malungo
Belíssimo texto Rolf. Assim que chegar por ai quero assistir. não tenho muita memória do Simonal neste período não, meus pais não curtiam e acho que tocava pouco lá em casa. Porém é a nossa história, ou seja, histórias de homens negros e seus dramas, quase-sucessos e percalços. Não me surpreende que nestes documentarios boa parte das falas estejam nas vozes de brancos. Não que não devam falar ou não tenham pontos de vista interessantes, no entanto isso também faz parte de um processo destituidor. Até porque abrir demais os espaço pras nossas vozes significa um perigo iminente, não acha? Não pra gente.. pra eles! Abs.
ResponderExcluirGRANDE AMIGO Rolf tá ficando boa a pagina parabens.
ResponderExcluirO que me impreciona é a foto voce e teu pai, cara não dá pra negar a foto do teu pai é o reflexo de voce hoje
como se dizia na favela car de um rosto do outro. rsrsrsrsr mudei as palavras.rsrsrsr
Ainda estou aqui em Salvador para o lançamento do Fesman mas chegou ao Rio se Deus quizer dia 26, pois 27 é meu aniversário.
Um abraço
João Carlos
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirHi Rolf,
ResponderExcluirEncontrei com Márcio aqui em NYC ontem e ele me falou do seu post sobre Simonal: bem legal! Também publiquei algo lá no meu blog, dê uma olhada quando tiver um tempinho.
Abraço,
Márcio/Kibe.
prezado Rolf, meu nome é sandro, sou amigo e colega de trabalho do mauro aqui em Vitória. tb curso o doutorado aí na UFF. o Mauro me falou de sua dissertação e gostaria de ler. abraço.
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